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Senado adia votação de projeto que define compensações da Lei Kandir

O Plenário do Senado adiou nesta quarta-feira (5) a votação do projeto de lei que regulamenta o pagamento de compensações da União a estados e municípios por perdas de receita provocadas pela Lei Kandir (PLP 133/2020). O valor destinado aos entes federativos pode chegar a R$ 65,6 bilhões até 2037. O projeto ainda não tem data para voltar à pauta.

O motivo do adiamento foi uma discordância entre os senadores sobre um dos termos do acordo: o desembolso da União seria financiado pelo fim do Fundo Social do pré-sal (FS). O PLP 133/2020 formaliza um acordo estabelecido no Supremo Tribunal Federal (STF) entre a União e os estados para organizar o pagamento das compensações.

A Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996) isentou as empresas de pagarem ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre exportações. Como o ICMS é receita dos estados e municípios, ela lei previu uma compensação financeira pela perda da arrecadação desses entes da federação. Os critérios para pagamento dessa compensação são objeto de batalhas judiciais desde 2013.

Fundo Social

O relator do PLP 133, senador Antonio Anastasia (PSD-MG), explicou que o Fundo Social foi criado para ser uma reserva financeira para o país abastecido com recursos da exploração de petróleo do pré-sal, mas esses recursos nunca se materializaram por inteiro. Por conta disso, segundo ele, o Fundo nunca realizou seus objetivos, e parte dos seus recursos fica apenas armazenada para amenizar o déficit fiscal da União.

Outra parte do Fundo Social é usada anualmente para financiar a complementação da União no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Em 2020, por exemplo, essa parte corresponde a R$ 8,7 bilhões, dos R$ 10,3 bilhões destinados ao Fundo Social no orçamento.

Para Anastasia, no entanto, a extinção dessa fonte de recursos seria compensada no novo desenho do Fundeb (PEC 26/2020), que prevê um aporte da União maior do que hoje.

— [A extinção do Fundo Social] não prejudica em nada a educação, porque o valor destinado ao pagamento do Fundeb continuará sendo pago pela União. [O dinheiro] que tirava do Fundo Social para pagar o Fundeb vai tirar agora de outro lugar, num valor até muito maior.

Já o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), observou que o fim do Fundo Social já está encaminhado na PEC 187/2019, que determina a extinção de vários fundos federais. Essa proposta ainda precisa ser votada pelo Plenário do Senado e passar pela Câmara dos Deputados. Para Bezerra, o tema já é “página virada” e o novo compromisso da União no Fundeb preencherá a lacuna.

— Essa injeção dos recursos de ressarcimento da Lei Kandir é imprescindível para viabilizar as finanças estaduais de muitos entes federados. É importante que a gente tenha a consciência tranquila de que ninguém está retirando dinheiro da educação.

Educação

As explicações não convenceram senadores para os quais o fim do Fundo Social seria um baque para o financiamento da educação pública. O líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), destacou que abastecer o Fundeb é apenas uma das finalidades dos recursos do pré-sal.

— No ano passado, o Fundo Social também financiou bolsas de pesquisa, ciência e tecnologia, o Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais]. importante que a gente lembre que o Fundo Social tem uma presença para além do Fundeb — Rogério Carvalho.

O senador também ponderou que, como a tramitação da PEC 187/2019 ainda não acabou, o Fundo Social pode vir a ser retirado desse texto e, portanto, mantido.

Para contornar o impasse, o relator da PEC 187, senador Otto Alencar (PSD-BA), sugeriu que as compensações da Lei Kandir fossem reservadas exclusivamente para a educação.

— Se você destina todos esses recursos para a educação, os estados terão arrecadação própria para gastar em outra finalidade.

Os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Daniella Ribeiro (PP-PB), Weverton (PDT-MA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também se manifestaram contra o dispositivo que elimina o Fundo Social do pré-sal. Diante das divisão do Plenário, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que presidia a sessão, decidiu retirar o projeto da pauta.

Pacto federativo

Parte da liberação de recursos da compensação da Lei Kandir definida pelo projeto é condicionada à aprovação da PEC 188/2019, que regulamenta descentralização de recursos entre a União e os estados e municípios. O senador Antonio Anastasia afirmou que se o Senado não quiser aprovar o PLP 133 como ele foi concebido, será mais adequado tratar do tema na PEC, para não gerar insegurança jurídica.

— O que nós não podemos fazer, a meu juízo, é tentar uma votação cujo acordo seja feito de forma contrária ao que foi homologado no Supremo. Podemos até rejeitar o acordo, é nossa competência fazê-lo, mas não podemos criar um acordo novo — disse o relator.

O senador Wellington Fagundes (PL-MT), que presidiu uma comissão mista sobre a Lei Kandir entre 2017 e 2018 e que assina o projeto como autor, também alertou para o risco de não se concretizar o acordo firmado no STF. Ele recordou que a negociação foi acatada por todos os governadores e pela Confederação Nacional dos Municípios.

— Se [o projeto] não for aprovado da forma como está, com certeza cai o acordo. Nós temos que regulamentar a matéria. Caso contrário, mais uma vez o Congresso será omisso.

Conteúdo

O PLP 133 prevê o pagamento, até 2037, de R$ 65,6 bilhões aos estados e municípios para compensar as perdas provocadas pela Lei Kandir. 75% dos recursos irão para os estados e o Distrito Federal, e os 25% restantes, para os municípios.

Pelo acordo, a União pagará obrigatoriamente R$ 58 bilhões entre 2020 e 2037, já previstos na PEC 188/2019. Os R$ 7,6 bilhões restantes estão condicionados: R$ 3,6 bilhões, divididos em três parcelas anuais, serão pagos após a aprovação da PEC; e R$ 4 bilhões devem vir dos leilões para exploração de blocos dos campos petrolíferos de Atapu e Sépia, na Bacia de Santos, e têm que ser repassados em 2020.

Anastasia incorporou quatro emendas ao texto original. Ele suprimiu a obrigatoriedade de as assembleias estaduais aprovarem lei reconhecendo não haver mais dívidas da União em relação à Lei Kandir. O relator substituiu essa exigência pela renúncia ao direito à compensação, com a desistência de todas as ações ajuizadas. Por outro lado, ele incluiu dispositivo para liberar a União de cumprir alguns dos requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) para o aumento de despesas, de forma a permitir o repasse dos R$ 65,6 bilhões.

Disputas judiciais

A Lei Kandir isenta as empresas de pagarem ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre qualquer operação ou serviço realizado para exportar, inclusive produtos primários e semielaborados, como soja, milho, algodão, carnes, madeira e minérios. O objetivo foi baixar o custo de produção para aumentar a competitividade do Brasil no mercado internacional. Como o ICMS não é receita da União, e sim de estados e municípios, a Lei Kandir estabeleceu que deveria ser paga uma compensação financeira pela perda da arrecadação dos entes até 2006.

A ideia original era ter uma compensação temporária. À medida que o tempo passasse, a perda de arrecadação decorrente da Lei Kandir seria compensada pelo aumento da arrecadação associado ao crescimento econômico. A partir de 2000, várias leis complementares foram alterando e reduzindo essa compensação, até torná-la não obrigatória, deixando ao governo federal a iniciativa de definir como e se ela seria realizada.

Em 2004, o Executivo criou o Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações (FEX), com Lei 10.966, de 2004, no objetivo de auxiliar financeiramente estados e municípios, evitando falar em compensação. Desde então o governo federal edita anualmente uma MP ou envia ao Congresso projeto de lei ordinária para regular esse auxílio.

O problema é que o FEX não tem instrumentos de correção e não é obrigatório. Os entes federados questionam não apenas os valores, muito menores do que a compensação à qual consideram ter direito, mas também a regularidade dos pagamentos. Os estados então se reuniram em um Fórum de Governadores e entraram com ação no STF pedindo normas para a transferência dos recursos.

Em 2016, o Supremo considerou que o Congresso foi omisso na regulamentação do artigo art. 91 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADTC), que prevê a edição de lei complementar para regular o repasse da compensação, e deu prazo de um ano para que a legislação fosse aprovada. Desde então esse prazo foi prorrogado duas vezes, a última vencida em 21 de maio de 2020. O STF, no entanto, não reconheceu o pedido de estados e municípios à complementação de repasses de anos anteriores.

O acordo fechado no STF em maio definiu que estados e municípios abrirão mão da compensação pela perda do ICMS, renunciando a qualquer cobrança judicial, em troca dos R$ 65,6 bi e de parte dos royalties pela exploração do petróleo, gás natural e minérios e pela geração de energia por hidrelétricas. A União ficou obrigada a incluir esses repasses no Orçamento Anual; a defender a aprovação da PEC 188, que revoga o artigo 91 do ADTC e inclui a partilha dos royalties na parte permanente da Constituição; e a regulamentar a divisão temporária dos recursos até que seja aprovada a PEC, papel que cabe ao PLP 133.

Fonte: Agência Senado

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